Entrevista com monja Coen - Zen Budismo
Escrito por Erika Silveira e Victor Rebelo
Entrevista sobre Budismo e espiritualidade, com a Monja Coen
Realizada em 2003
A jornalista Cláudia Dias Batista mudou radicalmente sua vida a partir do momento em que conheceu a filosofia zen-budista. Foi quando deixou a carreira para trás e se tornou a Monja Coen, divulgadora dos ensinamentos de Buda em tempo integral.
Seu primeiro contato com o budismo ocorreu durante a realização de uma matéria sobre as sociedades alternativas para o jornal em que trabalhava na época. Tempos depois, ela se mudou para a Inglaterra, onde começou a ler sobre o assunto e praticar sozinha a meditação. Largou o emprego e foi morar em uma comunidade em Los Angeles, nos Estados Unidos. Monja Coen superou as dificuldades de viver oito anos em um mosteiro feminino em Nagoya, no Japão, mas o esforço valeu a pena, tanto que foi a primeira missionária nomeada pela sede administrativa da escola Soto Shu do Japão no Brasil. Ela é, também, a fundadora da comunidade zen-budista Zendo Brasil Tenzui Zen Dojo, sediada no bairro de Pinheiros, zona oeste de São Paulo (SP).
Além de ministrar diversas palestras e participar de eventos inter-religiosos, Monja Coen ensina os fundamentos da religião tanto para monges quanto para aqueles que desejam simplesmente conhecer a filosofia que está conquistando cada vez mais adeptos no Brasil. O maior motivo para esse crescimento tão rápido talvez seja a busca do ser humano por um mundo mais feliz, bem como a constante divulgação pela mídia dos benefícios da meditação, um dos pontos fortes que caracterizam o budismo Zen.
Nesta entrevista, Monja Coen fala sobre alguns conceitos do zen-budismo, o que é ser um monge, o trabalho de propagação da filosofia budista e as propostas do budismo na assembléia global da Iniciativa das Religiões Unidas, realizada em agosto deste ano na cidade do Rio de Janeiro (RJ).
O que diferencia o zen das outras linhagens dentro do budismo?
Monja Coen – O zen é uma linha que apareceu na China e, através da meditação, alcançou a iluminação. É uma crença no fato de que cada um possui capacidade de iluminação própria, mas, para tanto, é necessário que se faça um esforço, ou seja, depende de nossa constância na prática, não de um milagre ou algo exterior a nós. Esse fator marca fundamentalmente o zen. Ele é meditação, meditação sentada, é penetrar em um estágio no qual somos capazes de perceber que não há separação entre nós e os outros, que estamos unidos na essência do ser. Por isso, não se pode falar nesse momento, pois as palavras não alcançariam essa luz pura. É conseguir transcender a dualidade, o certo e o errado, o bom e o ruim. No zen, não utilizamos mantras, pois achamos que não é necessário induzir nada, apenas permitimos nos conhecer. Há uma frase de nosso fundador que gosto muito: “Estudar o caminho de Buda é estudar a si mesmo. Estudar a si mesmo é esquecer de si. Esquecer-se de si é ser iluminado por tudo que existe”.
Como a meditação Zazen pode ajudar as pessoas a se livrarem do stress?
Monja Coen – Posso contar um pouco da minha experiência quando trabalhava em um banco no centro de Los Angeles, atividade que, muitas vezes, era estressante. Quando comecei a praticar a meditação, antes de ir ao trabalho, eu acordava e meditava. Isso já oferecia uma mudança grande. Ao acordarem, as pessoas têm o hábito de olhar para sua aparência exterior e se esquecem do interior. A meditação é como um espelho do espírito, do coração, possibilitando-nos perceber como estamos, já que é o encontro com nosso próprio Eu. É um ato de agradecimento à vida, no qual nos preparamos para o dia. Ela pode ser feita também na hora do almoço. Por dez minutos, sente-se em silêncio, ajeite a postura, mantenha a coluna vertebral ereta e, com o diafragma aberto, respire. Perceba todas as emoções que essa manhã causou e como está se sentindo. Existe um monge beneditino que mora na Inglaterra e ensina meditação cristã. Ele entende que o sistema educacional de lá deveria inserir essa prática, pois acredita que a meditação é natural do ser humano, ou seja, não estamos descobrindo uma coisa nova, é algo antigo. Muitos acham estranho e pensam que não estamos bem se dissermos que estamos meditando, pois não somos acostumados a refletir.
Esse momento seria uma adaptação às situações, ao invés de um condicionamento mental?
Monja Coen – Posso perceber o que estou sentindo. Se estou triste, não há nada de errado nisso. A compreensão da transitoriedade é muito importante. Algumas escolas budistas dizem que tudo é a mente, mas temos de perceber que ela tem conexão com o cosmos e todos os seres e é influenciada por tudo, não existe sozinha. Enquanto todos não tiverem estabilidade, nossas mentes individuais não estarão completas. Quanto mais pessoas estiverem bem, melhores vamos ficar, ninguém está separado. Então, a meditação consiste em encontrarmos o centro de nós mesmos e, à medida que estivermos alegres ou tristes, poderemos perceber isso.
Qual é o grande objetivo da meditação?
Monja Coen – É o encontro consigo mesmo, com todo o universo, com a essência da vida. A meditação nos ajuda a perceber que fazemos parte desse todo. O processo da prática meditativa é entrar em estágios mais profundos de consciência, caso contrário, ficamos apenas no mundo de palavras e conceitos, o que acaba se tornando um círculo vicioso. A grande pergunta que devemos nos fazer é: quem sou eu? Não o nome, a profissão ou o sexo, mas o nosso Eu profundo e verdadeiro. Essa é a grande busca.
Existe alguma forma melhor de meditar?
Monja Coen – Mesmo que a meditação seja superficial, ela leva à alguma coisa, mas acho que precisa ter acompanhamento, pois estamos lidando com uma energia muito forte e, às vezes, a pessoa pode se perder sem um direcionamento. Em nosso processo de meditação, por exemplo, existe uma postura correta, pois o importante é que as costas fiquem retas e os pés firmes no chão, para que tenhamos uma base sólida e confortável, mas que não provoque sonolência. A respiração deve ser o foco principal, os olhos devem ficar entreabertos e a pontinha da língua na parte superior da boca. O tempo também não é importante, mas a qualidade sim.
Após percebermos o que estamos sentindo, qual é o próximo passo?
Monja Coen – Respire e sinta o que você vivencia no momento. Depois, pense como pode transformar essa circunstância.
Qual é a finalidade dos tambores, sinos e incensos no momento da meditação?
Monja Coen – São sinais de comunicação, pois não se usa a fala nos mosteiros, toda a linguagem é feita através desses elementos. No caso do incenso, cada tamanho corresponde a uma medida de tempo.
Por que, na época do movimento hippie, houve essa ligação forte dos jovens com o budismo e, ao mesmo tempo, eles não conseguiram abrir mão das drogas, com o pretexto de expandirem a percepção?
Monja Coen – A minha experiência não foi bem essa, porque existia muita gente envolvida com drogas e, quando descobriram a meditação, perceberam que a sensação era bem melhor. Quando temos uma procura na verdade do conhecimento superior, a meditação é a porta principal e as drogas, a porta de fora. Para meditar, basta respirar.
Em termos de hábitos e dedicação, o que é necessário para ser um monge budista. Como conciliar isso com a vida pessoal?
Monja Coen – Ser um monge é se dedicar integralmente aos ensinamentos de Buda. A prioridade de sua vida é servir ao sagrado e estar sempre à disposição da comunidade, não da própria disponibilidade. É necessário ser obediente e humilde, o que parece fácil de se falar, mas, na prática, não é tão simples assim. Claro que é muito mais fácil quando se está em um mosteiro, morando entre monges, pois quando convivemos com pessoas que não estão nesse patamar, às vezes, é um tanto cansativo, mas não impossível.
Quais são os preceitos para se tornar um discípulo de Buda?
Monja Coen – O primeiro passo é ter uma assiduidade de freqüência, de conhecimento do budismo e prática. Depois, fazer os votos para seguir os ensinamentos de Buda. Para isso acontecer, faço o curso de um ano, mas cada professor tem sua sistemática. Após esse período, a pessoa fica de um a dois anos em observação com o professor, para ver se é correto para ela se tornar um monge, pois é uma dedicação para toda a vida.
O que significa o Sutra do Coração?
Monja Coen – É o sutra da grande sabedoria completa e quando a praticamos, libertamo-nos de todas as dores e sofrimentos. É necessário que seja vivenciada, não é uma coisa para ser apenas conhecida intelectualmente.
O que você pode nos falar sobre a assembleia geral da Iniciativa das Religiões Unidas, evento que ocorreu no mês de agosto no Rio de Janeiro (RJ) e que teve a presença de representantes do budismo?
Monja Coen – Esse evento surgiu através de um bispo anglicano que foi à Organização das Nações Unidas e recebeu questionamentos sobre a não existência das religiões unidas. Então, ele se propôs a começar o trabalho e a idéia deu certo. A Iniciativa das Religiões Unidas reúne pessoas do mundo todo, de todas as crenças.
Qual foi a principal proposta do budismo nesse encontro?
Monja Coen – Pelo que pude perceber, a proposta de todos é criar uma sociedade sem violência. Para isso, o primeiro passo é a sabedoria iluminada, que possibilita a percepção de nos vermos como verdadeiramente somos, não criarmos uma fantasia. O segundo é a compaixão, pois se temos o ser iluminado dentro de nós, devemos cuidar do planeta, dos outros, de tudo que existe. A terceira coisa são ações decisivas de transformação. Todas as religiões possuem seus próprios projetos e o que não existe entre elas é uma rede de comunicação. Essa iniciativa das religiões unidas se propõe a ser essa rede, o objetivo é unir pessoas de diversas crenças para que haja um intercâmbio. Já passou a época de se dizer que uma religião é a única que salva, nossa linguagem tem que ser modificada. Nós somos múltiplos, nossas necessidades são diferentes. Cada um tem a crença que melhor repercute em seu coração, é importante perceber que não podemos excluir o outro. Agora, depois do evento, vamos fazer um questionário internacional perguntando às pessoas o que elas realmente querem, pois quando questionamos, fazemos os indivíduos refletirem. Daqui a três anos, iremos nos reunir novamente para avaliarmos os resultados e, enquanto isso, todos nós continuaremos com nossas ações. Acho que aqui em São Paulo devemos ter uma ação conjunta, que envolva os jovens e as crianças. Educação é uma coisa fundamental. A transformação do mundo só vai ocorrer se houver saúde e educação, pois é necessário haver justiça social para existir paz.
Para finalizar, que mensagem de paz você gostaria de deixar aos nossos leitores?
Monja Coen – Temos que nos transformar na paz. É muito importante que encontremos isso em nós, porque todos temos e somos esse estado, mas, muitas vezes, a paz está escondida no meio dessa confusão que parecemos estar vivendo. Porém, podemos dar um salto quântico, transformar a Terra em um lugar sagrado e puro. Faça o Ser Iluminado se manifestar em si e no outro.
Artigo publicado na revista Religiões do Mundo - ed. 01