Carlos Baccelli e Chico Xavier
Escrito por Érika Silveira e Victor RebeloO médium uberabense Carlos Antônio Baccelli é considerado, atualmente, um dos principais biógrafos de Chico Xavier. Ao todo, ele e sua esposa, Márcia Baccelli, já escreveram 14 volumes que falam da vida e da trajetória do maior divulgador da doutrina espírita, além de dez livros mediúnicos publicados em parceria com o próprio Chico.
Há mais de 30 anos trabalhando na divulgação do Espiritismo, Baccelli passou grande parte desse tempo ao lado do amigo, desde que o conheceu em uma das reuniões da Comunhão Espírita Cristã. "Para minha surpresa, em uma dessas reuniões, Chico pediu para que alguém fosse me chamar, pois desejava me conhecer mais de perto. A partir desse momento, nasceu uma grande amizade entre nós", conta. Baccelli lembra que, quando a irmã Dalva Borges, que era a presidente, precisava se ausentar mais cedo do local, muitas vezes, o médium mineiro o deixava em seu lugar, tomando conta dos trabalhos. "Ficar pertinho do Chico era uma alegria indescritível", afirma.
Com o passar do tempo, os laços de amizade se tornaram cada vez mais sólidos. Baccelli diz que escrever sobre Chico Xavier sempre foi, ao mesmo tempo, simples e complexo, pelo fato deste nunca falar muito de si próprio, o que se tornou um obstáculo para uma maior aproximação, mesmo sendo amigos por quase 30 anos. A idéia de escrever a respeito do médium surgiu quando passou a produzir textos mensais para o jornal A Flama Espírita, de Uberaba (MG), e diversos outros periódicos, espíritas ou não. Logo, as matérias foram organizadas e deram origem ao livro Chico Xavier à Sombra do Abacateiro. "Hoje, eu e Márcia, minha esposa, que também escreve sobre Chico, temos uma pequena coleção biográfica de uma vida tão grandiosa", explica.
Nesta entrevista, Carlos Baccelli fala um pouco mais sobre o amigo Chico Xavier, o início de seu trabalho psicográfico e os livros produzidos em parceria com o médium mineiro.
Como aconteceu a sua primeira psicografia?
Carlos Baccelli – Estava em casa e senti um impulso para escrever, como se, naquele instante, alguém me envolvesse e conduzisse à pequena mesa de estudos em meu quarto. A mensagem foi grafada rapidamente e assinada por Irmão José, o benfeitor que tutela nossas atividades. Posteriormente, psicografando no Grupo Espírita da Prece a convite de nosso Chico, ao terminar de ler a página que eu recebi naquela noite, ele me disse: "Baccelli, tenho a impressão de que já ouvi essa voz antes". Chico se referia à voz de Irmão José, que leu sua própria mensagem através de mim. Mais tarde, tudo se esclareceu: o referido benfeitor espiritual era o mesmo que trabalhava com a médium Maria Modesto Cravo, a quem o dr. Inácio Ferreira se refere em seus livros Sob as Cinzas do Tempo e Do Outro Lado do Espelho.
Atualmente, quais são suas principais atividades dentro da doutrina espírita, incluindo obras sociais?
Carlos Baccelli – Dirijo a Casa Espírita Bittencourt Sampaio, que freqüento há mais de 30 anos, e o Lar Pedro e Paulo, que é um de seus departamentos assistenciais. Várias obras que escrevo são mediúnicas e, outras, de minha própria autoria, todas publicadas por diversas editoras. Viajo pelo Brasil para realizar palestras, seminários e, quando possível, sessões de psicografia, em um desdobramento das atividades mediúnicas que acontecem aos sábados e domingos, pela manhã, no Lar Pedro e Paulo, uma instituição que abriga idosos de ambos os sexos.
Até o momento, quantos livros você já psicografou? Quais deles você destacaria?
Carlos Baccelli – Algumas dezenas de livros mediúnicos de nossa co-autoria já foram publicados pela editora Ideal, outros pelo IDE, pela Didier e, mais recentemente, pela LEEPP. Considero os livros de autoria espiritual de Odilon Fernandes, Inácio Ferreira, Paulino Garcia, Irmão José, Eurípedes Formiga, entre outros, de significativa importância doutrinária. Particularmente, destaco as obras Conversando com os Médiuns, Do Outro Lado do Espelho, Vigiai e Orai, Jardim de Estrelas e As Duas Faces da Vida.
Qual foi o último livro psicografado?
Carlos Baccelli – Foi As Duas Faces da Vida, de Paulino Garcia, um jovem que, sob a orientação do dr. Odilon Fernandes, vem escrevendo uma série sobre suas experiências no mundo espiritual. Outro livro, este já no prelo para lançamento em novembro, é Na Próxima Dimensão, do dr. Inácio Ferreira, que, inclusive, narra lances do desencarne de Chico Xavier.
Você chegou a escrever algum trabalho em parceria com Chico?
Carlos Baccelli – Sim, temos dez livros mediúnicos publicados em parceria: oito pelo Ideal (Instituto de Difusão Espírita André Luiz), de São Paulo (SP), e dois pelo IDE (Instituto de Difusão Espírita), de Araras (SP). Sinceramente, pelas oposições que podia constatar, considerava um feito termos ido tão longe a cada vez que saía um livro de nossa parceria mediúnica. No entanto, desde o princípio, quando ele me visitou em meu consultório odontológico e me convidou para o trabalho conjunto dos livros, Chico me alertou a respeito das dificuldades que os próprios companheiros espíritas criariam para nós neste sentido.
De onde vem todo o material que serve de base para suas obras?
Carlos Baccelli – O material do qual se constituem as obras sobre Chico Xavier é, em grande parte, de próprio punho, mas também foram aproveitados textos de outros autores considerados relevantes. Quase todo o material fotográfico dos livros, que são verdadeiros álbuns, foi conseguido por mim, eu sempre comparecia às reuniões munido de uma máquina fotográfica. Chico também fazia chegar às minhas mãos documentos, páginas e fotos mais raras, que enriqueceram o trabalho.
Tantos anos convivendo com Chico Xavier devem ter gerado muitas histórias marcantes para contar. Você poderia nos citar algumas?
Carlos Baccelli – Existem muitas passagens especiais, mas nunca prestei mais atenção nas histórias do que na pessoa que ele era. O fenômeno mediúnico pode ser encontrado em qualquer centro espírita e, às vezes, até fora, porém, estar diante de um mestre de algum espírito encarnado é raro. Ele era uma pessoa especial, singular, insubstituível. Temos muitos companheiros bons dentro da doutrina e fora dela, mas não com o brilho espiritual de Chico Xavier. Tenho muita saudade dele, vontade de vê-lo outra vez, mas sem a necessidade de conversar, apenas de contar com sua presença, que irradiava muito e ensinava bondade. Hoje em dia, é muito difícil encontrarmos juntas duas coisas que são as que mais precisam estar unidas: fé e sinceridade. E encontrávamos essas duas virtudes em Chico, ele era transparente, a mesma pessoa o tempo todo e em qualquer lugar, não representava. Tive a oportunidade de estar com ele no centro espírita e em sua casa, tivemos encontros semanais durante muitos anos. Em todo esse período, pude notar que, apesar das limitações físicas, ele prosseguia em seus propósitos, porque somente Jesus se isentou de tais obstáculos. Apesar das dificuldades, Chico superava as limitações. Costumo dizer que, para mim, ele não era um anjo executando a tarefa de um homem, mas, pelo contrário, era um homem executando a tarefa de um anjo, de um espírito iluminado superior, e isso o fazia maior. Ele lutou contra todos os problemas que também enfrentamos: familiares, profissionais, de sobrevivência, de relacionamento com as pessoas. No entanto, era sincero quando dizia ser um cisco, não acreditava ser uma estrela. Essa era a diferença, por isso, não deixava se idolatrar. Às vezes, falávamos alguma coisa em tom de elogio e ele nos dizia: "Eu aceito o que você está dizendo como incentivo para que eu venha a ser o que ainda não sou". Eu considero esses momentos mais marcantes, talvez os mais difíceis de serem expressados com palavras verbalizadas ou escritas, pois eram apenas sentidos. Próximos de Chico, todos os presentes podiam ouvir o que ele dizia, mas o que se sentia era muito maior.
Depois da partida de Chico para o plano espiritual, você pretende escrever mais alguma obra biográfica sobre ele ou prestar alguma homenagem?
Carlos Baccelli – Estou sempre atento, mas, infelizmente, não tenho mais acesso à farta documentação remanescente. Imagino que aqueles que possuem esses dados não estarão dispostos a cedê-los graciosamente e, de minha parte, só posso lamentar. Porém, ainda em abril deste ano, às vésperas de seu desencarne, ocorrido no final de junho, publicamos a obra Chico Xavier, o Apóstolo da Fé pela LEEPP, homenageando seus 75 anos de mediunidade. Vale lembrar também que o livro Chico Xavier, Mediunidade e Paz está sendo traduzido para o italiano.
Qual é a sua maior lembrança de Chico Xavier?
Carlos Baccelli – Minha maior lembrança dele é a sua alegria. Chico se esforçava para estar sempre bem e costumava brincar com suas próprias limitações físicas. Quando começou a ter dificuldades para caminhar, ele disse: "Há muitos anos que venho tratando do corpo, agora chegou a hora de tratar do esqueleto". Ele era tão sábio quanto os espíritos mais elevados que por ele se expressavam, a bondade de seu coração superava sua grandeza mediúnica.
Em sua opinião, como fica a doutrina espírita com a partida de Chico Xavier? Aumenta a responsabilidade de outros médiuns?
Carlos Baccelli – A doutrina é dos espíritos e, portanto, ela é mais do Chico agora do que sempre foi. Creio que a responsabilidade continua do mesmo tamanho, pois quem não se sentia responsável ontem, não se sentirá hoje. Infelizmente, o que vemos são vários companheiros de ideal, médiuns ou não, extrapolando. Até sobre o desencarne do Chico há quem queira tirar proveito. Muitos podem estar perto da mediunidade de Chico, mas estão longe de seus exemplos.
Existem muitas pessoas afirmando terem recebido mensagens de Chico Xavier após o seu desencarne. Como você analisa essa questão?
Carlos Baccelli – Como uma coisa natural. Não digo que sejam ou deixem de ser verdadeiras, pois a mediunidade é um mundo muito vasto e complexo, nossos pensamentos são ondas que estão à disposição de quem se habilite a captar e cada um faz isso de uma maneira. Como acontece com mensagens atribuídas ao dr. Bezerra de Menezes, André Luiz, Eurípedes Barsanulfo, entre outros, não podemos dizer que sejam ou não verídicas. É por isso que temos de estudar, ler O Livro dos Médiuns na parte em que Allan Kardec trata da identidade dos espíritos, porque não se identificam pelo nome ou pela assinatura, mas pelo pensamento. Acredito que as idéias de Chico estejam por aí, soltas no ar à disposição dos sensitivos, porém, a questão agora é a maior ou menor fidelidade a elas. Na mediunidade, normalmente entendemos que o espírito vem ao médium, embora, às vezes, seja o médium que pode ir ao espírito. Não podemos esquecer que um médium é um espírito se comunicando com outro. Quando você quer falar com uma pessoa, liga ou vai atrás dela e esta pode recebê-la ou não, depende de sua vontade.
Atualmente, há uma preocupação e uma ansiedade muito grande de alguns médiuns no sentido de receberem mensagens psicografadas. Se por um lado, elas podem aliviar um pouco os corações angustiados, por outro, muitas pessoas acabam duvidando da autenticidade da mensagem e acabam sofrendo mais ainda. Por que situações como essa acontecem dentro dos centros espíritas?
Carlos Baccelli – O assunto é muito vasto e não conseguiríamos resumir em poucas palavras, mas vamos fazer algumas considerações. Em uma de suas epístolas, Paulo afirmou que a profecia é para os que acreditam, não para os que duvidam. Na realidade, excetuando-se uma ou outra mensagem na qual o espírito consegue ser ele mesmo através de um médium, como, por exemplo, era o caso de Chico Xavier, podemos questionar quase todos os comunicados do além. Inclusive, pode-se indagar também sobre uma materialização. Portanto, se a dúvida existe com relação a um fenômeno físico, por que não em relação a um de ordem intelectual, mais inacessível aos nossos sentidos físicos? Tomé, um dos 12 discípulos, questionou os companheiros sobre a aparição de Jesus e, não contente em vê-lo, pediu ao Mestre que tocasse em suas chagas. Então, Jesus disse: "Tomé, em verdade, você está crendo no que viu, agora, bem-aventurados os que não viram e creram".
E o que deve ser feito para que haja credibilidade nas mensagens?
Carlos Baccelli – Temos de entender que não é só o médium que deve estar preparado para receber a mensagem, bem como o espírito para transmiti-la, mas os familiares também. Não adianta termos uma boa semente nas mãos se a terra não está pronta. O que precisamos nas casas espíritas, mais do que mediunidade, é o incentivo ao estudo. Por meio do conhecimento da doutrina, os médiuns adquirem maior discernimento e, vez por outra, os espíritos que se comunicam com eles também serão constrangidos a isso. Eles agirão com mais cautela, pois incluirão os parentes encarnados no universo de suas preocupações e pesarão a receptividade das mensagens. Penso que a mediunidade é muito importante no centro espírita, mas o que está faltando é um maior conhecimento da doutrina. O médium é um auxiliar dos espíritos, mas isso não exclui a necessidade de estudar. Quando Chico começou, ele teve uma professora que se ofereceu para lhe transmitir algumas noções de português. Temos que desmistificar o fato de que o médium só será autêntico se for analfabeto, isso é um tabu. Eu diria que, quanto menos preparado em todos os sentidos, maior será o obstáculo para os espíritos. Psicografar é a parte mais fácil da mediunidade, difícil é materializar o espírito da doutrina por meio do bom exemplo, das boas obras, da boa vontade, da humildade.
Qual foi a maior lição que você extraiu desses vários anos de convivência com Chico Xavier?
Carlos Baccelli – A maior lição não pode ser resumida em uma frase ou palavra, teria que ser transmitida através do silêncio. O maior exemplo dado por ele deveria ser resumido na reflexão sobre tudo que Chico foi e continua sendo, que inspirou, inspira e continuará inspirando o movimento espírita. Mas a lição com a qual mais me identifico é o fato dele ter continuado a cumprir os deveres na condição de médium. Apesar das críticas que recebia e das dificuldades pessoais, ele perseverou esse tempo todo sem se desviar, sem deixar de ser fiel às suas origens e condições, continuou sempre o mesmo. Hoje em dia, quando publica um livro ou vai falar em uma tribuna para muitas pessoas, o médium se transforma, perde a simplicidade. Chico nunca a perdeu, jamais deixou de ser aquele homem simples que começou em Pedro Leopoldo aos 17 anos de idade e recebeu sua primeira mensagem no dia 08 de julho de 1927. O maior desafio que ele nos deixou é o de sermos médiuns como ele. Publicar livros, psicografar mensagens, conversar com os espíritos, tudo isso é fácil. Difícil é professarmos nossa crença com sinceridade, para que as pessoas sintam em nós o cheiro de verdade que sentiam em Chico Xavier. Ninguém o procurava apenas por conta dos espíritos, mas também porque sentiam nele algo da presença de Jesus Cristo, o perfume do evangelho, uma fonte de água pura. Talvez elas nem se dessem conta disso.
Para você, quem foi Chico Xavier? Qual a sua importância para o planeta?
Carlos Baccelli – Para mim, Chico Xavier foi o maior fenômeno mediúnico de todos os tempos, o legítimo continuador de Allan Kardec. Eu o nivelo a Francisco de Assis, cuja vida – e isso é uma opinião quase unânime entre os cristãos – foi a que mais se aproximou da vivida por Jesus Cristo.
Este artigo foi publicado na Revista Cristã de Espiritismo, edição especial 05. Ao usar o texto, favor citar o autor e a fonte.